quinta-feira, 11 de novembro de 2010

E.E. São João-Texto para 2001


Os movimentos sociais latino-americanos: características e potencialidades
José Maurício Domingues

Diretor Executivo do IUPERJ.

A América Latina contemporânea tem fornecido o cenário para a emergência e multiplicação de movimentos sociais ao longo dos últimos dez anos. Por vezes isso parece tomar um cunho quase insurrecional, em outros momentos tal processo se conecta a mudanças mais amplas no sistema político, em outras situações ou momentos esses movimentos se mostram como força importante sem, contudo, obter maior impacto na sociedade inclusiva. Em muitos aspectos esses movimentos se mostram inovadores, ou ao menos diferentes daqueles que vigeram em períodos anteriores. Modernidades latino-americanas


A primeira fase da modernidade – liberal restrita e vigente no século XIX – teve no mercado seu centro, com um estado que deveria ser meramente coadjuvante na criação e na manutenção da ordem social. Obviamente, isso era em grande medida uma utopia, a qual previa a homogeneização absoluta da sociedade, a ser composta doravante de indivíduos atomizados que teriam laços de outro tipo apenas com suas famílias. Se na Europa e nos Estados Unidos a concretização desse modelo foi em geral parcial, na América Latina oligárquico-latifundiária isso foi ainda mais restrito. A sua crise englobou, de todo modo, de maneiras distintas, o mundo em seu conjunto. Daí emergiu a segunda fase da modernidade, em que o estado adquiriu muito mais centralidade, mantendo-se aquela utopia de homogeneização, que mercado e estado deveriam, cada qual a sua maneira, implementar. O fordismo complementava o modelo, implicando grande produção em massa de produtos standart que uma nova classe operária consumiria. Na América Latina periférica u semi-periférica, características específicas marcam essa segunda fase. Expressam-se sobretudo no estado desenvolvimentista, que era a contra-face do estado keynesiano e de bem-estar que vicejou no ocidente, no centro da modernidade global já então mais que estabelecida; e, desde os anos 1950, no consumo de produtos pelas camadas médias proporcionado pela instalação das empresas transnacionais, que no centro produziam para uma massa de trabalhadores.

O movimento operário foi crescentemente o principal movimento social dessas duas primeiras fases da modernidade, secundado pelo movimento feminista, sobretudo no ocidente, ao passo que na América Latina destacavam-se também o movimento camponês e inúmeros movimentos comunitários, ligados ao vasto mercado informal de trabalho e às péssimas condições de vida dessas populações que migravam para as cidades. A teoria marxista – que previa a passagem da “classe em si” à “classe para si” e ao movimento revolucionário comunista – foi a principal interpretação desse movimento (ver Giddens, 1973).
Aqui encontramos, de um lado, os condicionamentos sociais – inclusive uma fragmentação ainda maior da classe trabalhadora – e, de outro, as questões e possibilidades institucionais – em particular a luta pela democracia e a consolidação enfim do novo ambiente democrático, que se conjugou a um estado enfraquecido pela política neoliberal – que proporcionaram o surgimento e a renovação dos movimentos sociais latino-americanos desde os anos 1990. Uma nova “cultura política” se forjava nesse momento, fruto da luta pela democracia e do pluralismo cada vez mais amplo e evidente a se expressar nas lutas sociais que contribuíram decisivamente para a queda das ditaduras militares nos anos 1980, assim como da consolidação de demandas de populações que mais fortemente alcançavam a cidadania e lutavam por sua ampliação (Escobar e Alvarez, 1992; Alvarez, Dagnino e Escobar, 1998).
Mas a verdade é que o sindicalismo segue sendo uma força a ser considerada, talvez mesmo o movimento social mais importante, de maneira geral, na América Latina. Sua libertação do jugo corporativista no Brasil e na Argentina, com novos sindicatos e centrais de trabalhadores, permitindo pluralismo e mais capacidade de mobilização por vezes, ainda que em condições econômico-sociais com freqüência extremamente desfavoráveis, garante-lhe uma posição de destaque nas lutas sociais.

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